O castelo de Soria Moria

O Castelo de Soria Moria é um conto do folclore noruguês

O Castelo de Soria Moria é uma história do folclore noruguês das coletadas por Peter Christen Asbjørnsen and Jørgen Moe na sua coletânea de Contos de fadas Noruegueses (1843-1844). Quando o jovem Halvor aventura-se numa terra estranha, vai parar num palácio vazio onde encontra uma princesa cativa, que o ensina como libertá-la e às irmãs. Munido desse conhecimento, o rapaz mata os trolls que as mantinham cativas e ganha delas um anel mágico que lhe permite voltar para casa. Depois, o rapaz busca refazer a jornada quase impossível de volta ao palácio, com o auxílio de vários ajudantes mágicos.

Nesta história, o herói é um rapaz astuto, paciente e sortudo, apesar de ser visto como preguiçoso e sem ambições. Álvaro, como escolhi chamar o Halvor do original, é um Askeladden, um “rapaz das cinzas”, um herói presente em muitos contos do folclore norueguês.

Da adaptação

Adaptei o nome de Halvor para Álvaro, só pela sonoridade — mas gosto da associação com a luz aproximá-lo um pouco do “garoto borralheiro”, Askeladden, que brinca com as cinzas — e as brasas — do fogão.

Fiz algumas poucas alterações na história, sobretudo para incorporar alguns tropos de contos de fadas (inspirado pela versão do artista Theodor Kittelsen, de 1911, traduzida para o inglês por Simon Roy Hughes).

I

Há muito tempo atrás, no reino da Noruega, existia um sítio onde vivia um casal muito, muito pobre. O pobre casal de camponeses tinha um único filho, que se chamava Álvaro, e que não servia pra nada a não ser brincar com as cinzas no fogão.

Na medida em que o menino crescia, seus pais tentavam colocá-lo para aprender algum ofício — mas o garoto sempre abandonava os artesãos ou era expulso de suas oficinas, e acabava aparecendo de volta na casa, onde sentava-se ao lado do fogão, cutucando as cinzas e brasas.

Um dia apareceu um mestre marinheiro na vila onde viviam os camponeses e, sabendo que havia naquele sítio um rapazote forte e sem ocupação, bateu na sua porta oferecendo aprendizado — navegar o oceano e conhecer terras exóticas no estrangeiro. Sim, Álvaro gostaria muito disso, para surpresa de todos, e rapidamente fez as malas, beijou os seus pais e partiu com o marinheiro.

Não sei quanto tempo ele trabalhou no navio, viajando oceanos e conhecendo terras exóticas, mas conhecendo o rapaz, eu não acredito que tenha sido muito mais que algumas semanas. Só que, desta vez, o rapaz não podia simplesmente fugir para casa e brincar com o fogão!

Certo dia, quando navegavam em alto mar, surgiu uma forte tempestade, que jogou o navio para um lado e outro, em ondas gigantescas nas trevas da noite mais escura que já tinham visto. E, quando tudo se acalmou, os marinheiros descobriram-se perdidos, próximos de uma costa desconhecida.

Como não havia sequer uma brisa, o capitão ordenou que o navio fosse reparado e preparado para partir. Todos trabalhavam, mas Álvaro implorou ao capitão que lhe permitisse descer do navio e explorar a estranha praia. “Você tem certeza”, perguntou-lhe o mestre marinheiro, “que gostaria de aparecer diante de gente com esses trapos em que está vestido?” Como o rapaz insistisse, o capitão consentiu (imagino que um pouco satisfeito em ver-se livre do garoto inútil por algumas horas), mas disse-lhe que voltasse assim que sentisse a primeira brisa, pois o navio zarparia ao primeiro vento com ele ou sem ele.

Assim, Álvaro partiu para explorar a terra estranha que encontrara, entusiasmado e curioso, com senso de aventura — e descobriu, além da praia de areia branca e macia, um terreno fabuloso, vivo, rico em plantas e cores, com um ar fresco agradável e o trinar de pássaros constante. E aquele caminho era tão agradável, que ele seguiu colina acima, mesmo quando as copas das árvores anunciaram a chegada das primeiras brisas, e quando o vento mais forte soprou em seu rosto, em direção à praia, ou quando, pela terceira vez, ainda mais insistentemente, o vento uivou por rochedos e pela areia da praia, soprando com força, anunciado a Álvaro que era hora de partir.

No entanto, Álvaro sequer olhou para trás: ele queria ver mais. E subiu, e subiu a colina até chegar a uma estrada tão íngreme que dava para rolar um ovo nela. E ele caminhou ainda mais até o Sol estar baixo no horizonte, quando avistou um castelo imenso, reluzente, à distância.

O caminho dali até o castelo era plano e leve. Álvaro ganhava mais e mais terreno e se aproximava do castelo a cada passo. Porém, apesar de faminto e cansado, ele se sentia a cada passo mais temeroso: o que encontraria num castelo tão maravilhoso em lugar tão ermo?

Era quase noite quando ele enfim chegou ao castelo, onde encontrou um portão enorme escancarado. Ele entrou e encontrou acesa a lareira, e o fogão na cozinha, e iluminados muitos cômodos, mas ninguém em nenhum lugar. Então abriu uma porta e encontrou, sentada fiando, uma linda princesa. “Minha nossa!”, disse a moça, “Não! Não é que apareceu um humano aqui?! Mas você faria melhor partindo imediatamente, rapaz, pois aqui vive um troll de três cabeças, uma mais maligna que a outra, que vai devorá-lo assim que o vir!”

“Mesmo que ele tivesse quatro cabeças, eu ia querer vê-lo”, disse Álvaro, “Não vou a lugar algum pois não fiz nada de errado. Mas por favor, dê-me algo de comer pois estou faminto.” A princesa serviu-lhe pão, queijo, linguiças e bolo, que ele comeu até estar cheio, e então disse: “Tente erguer aquela espada na parede — mas, antes, tome um gole da garrafa ao lado dela, pois é isso que o troll faz quando quer usá-la!”

Álvaro tomou um gole da garrafa e pegou a imensa espada como se fosse um graveto. Ele ainda testava o peso da espada quando ouviu um imenso rugido: “Fé-fi-fó-fum! Sinto cheiro de um humano!” gritou animado o troll, enfiando as cabeças pelo vão da porta, ansiosas, a procurá-lo, ao que Álvaro respondeu: “Sim, sim, vais descobrir que há um aqui e agora!”, fazendo um arco com a imensa espada que cortou as três cabeças de um único golpe!

Assim que o corpo do troll caiu ao chão, romperam-se as correntes que prendiam a princesa pelos pés, impedindo-a de sair — ou de alcançar a espada ela mesma. A moça chorou de alegria ao ver-se livre do jugo de seu algoz e abraçou Álvaro, agradecida. “Ah!”, disse ela, “Ah, se minhas irmãs também pudessem ser assim libertadas!”, ela suspirou. “E onde estão elas?” perguntou-lhe Álvaro. Então ela contou-lhe que suas irmãs caçulas estavam também aprisionadas, cada qual num castelo, um a seis léguas e outros a nove léguas daquele. Álvaro tranquilizou-a e disse-lhe que ficasse em paz, pois ele iria resgatá-las.

“Mas primeiro”, disse-lhe a princesa, “Você precisa me ajudar a enterrar este monstro”, e assim os dois fizeram, enterrando o troll com suas cabeças no terreno da igreja.

Eles jantaram juntos e, no dia seguinte, Álvaro partiu bem cedo, à primeira luz. Caminhou com passos determinados por toda a manhã e, quando o Sol apontava bem alto, avistou um castelo ainda mais magnífico e radiante do que o primeiro.

Ele entrou e novamente encontrou um castelo vazio, apesar de sinais de habitação. Foi à cozinha e abriu uma porta, encontrando, também ali, uma princesa ainda mais bonita que a primeira. “Ah, mas será? Será um humano que veio até aqui?!”, disse-lhe a moça. “Não sabe que este castelo é perigoso, pois aqui vive um ogro de seis cabeças que vai devorá-lo assim que o vir?”

“Não, não partirei”, disse-lhe Álvaro, “mesmo que ele tenha seis cabeças mais”.

“Mas ele vai devorá-lo vivo!”, disse a princesa, mas Álvaro não se amedrontou. Pediu-lhe de comer e beber, e se encheu de feijão e salame, enquanto contava tudo que havia acontecido no primeiro castelo e seu plano de libertar as três irmãs.

E então, quando caia a tardezinha, Álvaro tomou um gole da garrafa e pegou a espada da parede, que era ainda maior que aquela que encontrara no primeiro castelo, e assim que testou seu peso ouviu um estrondo, e o rugido de seis vozes dizendo: “Fé-fi-fó-fum, sinto cheiro de um humano!”, e surgiram de repente seis cabeças pela porta — e zás! com um único golpe de espada caíram todas as seis ao chão, e arrebentou-se a corrente que prendia a princesa, que abraçou Álvaro emocionada.

Eles enterraram juntos o ogro e suas cabeças, e limparam tudo, depois comeram e Álvaro partiu na direção indicada bem cedo, caminhando durante todo o dia por lindas colinas e bosques.

O Sol baixava quando chegou ao terceiro castelo, ainda mais majestoso e luxuoso que os primeiros, encontrando a mesma situação de antes. E, quando abriu a porta, encontrou a mais bela moça que já vira, mais bela do que qualquer sonho. E ela espantou-se com ele, e disse “Oh, será um humano desavisado que invade este castelo sem saber que ele é guardado por um dragão de nove cabeças! Volte, volte agora, bom rapaz, antes que o dragão o devore de uma vez!”

“Não vou a lugar algum, princesa”, disse-lhe Álvaro, “sem antes libertá-la, como fiz com suas irmãs. Nem que ele tivesse nove vezes nove cabeças, ainda assim eu não a deixaria”. E pediu-lhe de comer, e ela serviu-lhe peixe com batatas, e quando ele estava satisfeito, tomou um gole da garrafa e mal conseguiu com o peso da espada desta vez, tão grande era ela. Ele ainda experimentava o peso da espada nos punhos quando ouviu um rugido horroroso e um grito de noves vozes:

“Fé-fi-fó-fum, é um humano que entrou aqui!”, e umas garras do tamanho de uma criança apareceram segurando os batentes e puxaram nove cabeças horrorosas, com fileiras de dentes como alfinetes, olhos amarelos, chifres retorcidos e narinas fumegantes, as quais, uma a uma, Álvaro cortou: zás, zás, zás, zás, nove vezes zás, caíram as cabeças e o dragão não era mais.

O encanto que aprisionava a terceira irmã se desfez e eles enterraram o dragão também. Já era noite quando terminaram de limpar tudo e apareceram as outras duas irmãs — como foi belo e emocionante aquele reencontro! Quantas lágrimas e abraços trocaram as três moças, quanta alegria expressavam todas elas!

Na manhã seguinte, o castelo parecia outro: desfeito o encanto que aprisionava as princesas, todos os demais habitantes do castelo também foram libertos e surgiram de novo de onde quer que estivessem. O rei e a rainha ficaram muito agradecidos pelo herói que libertara suas filhas e seu reino, e prometeu-lhe a mão da filha que mais lhe agradasse. E, como o rapaz já se havia apaixonado pela terceira princesa, que retribuía seu afeto, ficou acertado que se casariam dali a tantas semanas, pois seriam mais auspiciosos os astros então.

II

E Álvaro foi feliz por muitos dias naquele reino tão próspero e ao lado de sua amada. Mas, depois de algumas semanas, ficou quieto e soturno e disse à sua noiva que sentia saudades de casa, pois há meses não via seus pais e eles haviam de estar preocupados. Então, as irmãs se juntaram e deram-lhe um anel, dizendo-lhe que o anel poderia levá-lo e trazê-lo quando quisesse, desde que ele jamais removesse o anel ou dissesse os nomes delas a alguém. E vestiram-no com as mais finas roupas, com as vestes de um príncipe, e ele tocou o anel e disse “Desejo estar de volta ao sítio!” e num piscar de olhos apareceu em frente ao casebre de seus pais.

Quando os seus pais viram-no, todo lustroso e empolado, vestido como um rei estrangeiro, ficaram maravilhados com a elegância e o luxo e sequer o reconheceram de imediato — pois, naquela época, as pessoas tinham receio de encarar os poderosos nos olhos. Ele pediu hospedagem e o casal hesitou: não se recusava hospedagem a ninguém, mas eles não tinham a mobília, roupas ou alimentação adequada para um visitante tão elevado! Era melhor que ele procurasse abrigo no castelo, pois eles eram pobres e faltavam-lhes muitas coisas. “Não, eu insisto”, disse-lhes Álvaro, “não vou ao castelo antes de amanhã, e ficarei bem em qualquer lugar, mesmo no chão ao pé da lareira”.

O casal, então, não teve coragem de recusá-lo, e hospedou-o ao pé da lareira. E o moço começou a cutucar as cinzas e as brasas como fazia quando era um rapazote preguiçoso na casa, e conversou com o casal, perguntando-lhes sobre os filhos e eles disseram-lhe que sim, que tinham um filho, Álvaro, mas que não sabiam aonde fora, ou mesmo se estava vivo ou morto.

Álvaro perguntou-lhes: “Poderia ser eu esse Álvaro?”

Os velhos riram-se, “Não, não, é claro que não: nosso Álvaro é um bom rapaz, sim, mas devagar e preguiçoso, nunca queria fazer nada! E tão maltrapilho que vivia tropeçando nos trapos! Jamais nosso Álvaro se tornaria um moço tão nobre quanto o senhor!”, disseram-lhe.

Álvaro riu-se, suspirou e voltou a cutucar a brasa na lareira. Então, o fogo iluminou seu rosto como fizera em sua juventude, e sua mãe arregalou os olhos até ficarem do tamanho de um pires, “Poderia ser você, Álvaro?!”

“Sim, mãe, sim, pai, sou eu!”

E os três se abraçaram e dançaram e riram e choraram juntos, e Álvaro contou-lhes sobre suas aventuras, com o cuidado de não mencionar as princesas.

No outro dia, sua mãe quis levá-lo à vila para apresentá-lo aos vizinhos, e ele também, no fundo, tinha vontade de se mostrar para as pessoas que sempre haviam-no esnobado. E a mãe foi em frente contando às pessoas que elas precisavam vem Álvaro, que retornara parecendo um príncipe, e as moças diziam que sim, claro, que podiam imaginar aquele rapaz maltrapilho como um príncipe, e riam-se da velha. Então, atrás vinha Álvaro, reluzente e altivo, derrubando o queixo de todas.

“Vocês todas sempre se comportaram como se fossem tão belas e finas que ninguém poderia comparar-se convosco! Ha! Se vocês vissem”, disse-lhes Álvaro, “a princesa mais velha que eu resgatei, vocês não se comparariam nem com a unha do dedinho dela, e a do meio era ainda mais bela e a caçula, que é a minha noiva, ainda mais belo que o sol e a lua! Gostaria que elas estivessem aqui para que vocês pudessem vê-las!”

Mas terminou essa frase e as três, num piscar de olhos, surgiram à sua frente. E ele alegrou-se, mas logo ficou triste, pois lembrou-se de ter desobedecido a regra.

Naquele dia, festejou-se a visita das princesas e o retorno de Álvaro, mas as princesas não quiseram se demorar e pediram a Álvaro para passear em volta da vila. Os quatro caminharam e conversaram e riram até chegar a uma lagoa, onde decidiram descansar sob as árvores. E a princesa caçula pediu para Álvaro deitar-se em seu colo e começou a fazer-lhe um cafuné, até que Álvaro adormeceu. Então, ela tirou-lhe o anel, trocando-o por outro, beijou-lhe o rosto, deixou cair uma lágrima e, dando as mãos às irmãs, disse: “Eu desejo estar no castelo de Soria Moria!” — e desapareceram as três.

III

Ah, pobre Álvaro! Quando acordou e descobriu-se só, quanto lamentou e chorou o pobre rapaz! Depois de muito chorar de tristeza, porém, o rapaz decidiu partir em busca do reino de sua amada — o castelo de Soria Moria — e, apesar das súplicas de seus pais, despediu-se e partiu.

Ele caminhou e caminhou até encontrar um homem com um cavalo bonito, e decidiu perguntar-lhe pelo preço. Eles conversaram até chegar a um preço: os trezentos reais que Álvaro tinha no bolso. O homem lhe disse que não era um cavalo particularmente rápido ou forte, mas que o carregaria e à bagagem, desde que ele caminhasse a pé de vez em quando. Os dois ficaram satisfeitos com o negócio, e Álvaro partiu cavalgando. De tempos em tempos ele caminhava, e depois cavalgava de novo — e, com o cavalo, conseguiu viajar bem mais rápido.

Ele caminhou e cavalgou um dia inteiro por uma floresta densa que a maioria das pessoas gostava de evitar, sem saber bem em que direção seguir. Ao entardecer, encontrou uma clareira confortável, onde havia uma raposa chamada Miguel — que disse-lhe:

“Bom rapaz, boa tarde! Rogo-lhe, por favor, dê-me algo de comer pois estou terrivelmente faminto!”

Álvaro não se espantava com mais nada depois de ter cortado tantas cabeças de monstros: sentou-se ao lado da raposa, abriu seu saco de mantimentos e dividiu com ela queijo, salame e um pouco de vinho.

“Agora, me diga, meu jovem, para onde vais nesta floresta? Não se vê uma alma viva passar por aqui em duzentos anos!”

“Gentil raposa, procuro o castelo de Soria Moria! Você sabe me dizer onde encontrá-lo?”

“Não sei, infelizmente, não conheço além deste bosque. Mas, se você seguir o caminho, há de encontrar o bom Urso à frente, que mora aqui há muito mais tempo que eu; ele há de saber ajudá-lo!”

E os dois dormiram e pela manhã se despediram, Álvaro seguindo viagem na direção do Urso que lhe apontara a raposa Miguel.

No final da tarde, encontrou uma clareira, onde havia um grande urso pardo.

“Meu bom rapaz, me ajude! Por favor, dê-me algo de comer, pois estou faminto!”

“Ora, amigo Urso, é claro!”, disse-lhe Álvaro, que não tinha medo de nada depois de ter matado um troll, um ogro e um dragão. Sentou-se e dividiu com o urso pão e presunto e um gole de vinho.

“Agora, diga-me, por favor, velho Urso, onde posso encontrar o castelo de Soria Moria?”

“Bom rapaz, sinto dizer que não posso ajudá-lo. Não conheço além do bosque! Vivo aqui há muitos séculos, mas ainda sou jovem perto do lobo cinzento que vive mais à frente: ele certamente há de ajudá-lo!”

Pela manhã, despediram-se os dois e Álvaro caminhou e cavalgou até bem longe. No final da tarde encontrou outra clareira — era como se a floresta fosse se ajeitando para acolhê-lo quando ele mais precisava, aguardando-o. Ele se ajeitava na clareira, abrindo seu saco de mantimentos, quando viu dois olhos brilhando entre as folhas.

“Boa noite, boa noite!”, disse, “quem quer que venha lá: gostaria de sentar-se comigo para tomar um lanche? Não tenho muito, mas adoraria compartilhar!”

O lobo cinzento, velho como as colinas, surgiu das folhas, agradecendo.

“Bom rapaz, agradeço! Há muito tempo não faço uma refeição decente, e adoraria compartilhar de sua companhia!”, respondeu-lhe o Lobo. Os dois sentaram-se e dividiram linguiças, feijão e um gole de vinho.

“Irmão Lobo, por favor, me indique onde encontrar o castelo de Soria Moria!”, disse-lhe então Álvaro, mas o Lobo também não sabia.

“Sinto muito, meu rapaz, mas eu não conheço esse lugar. Siga em frente mais um dia e você encontrará uma velhinha. Ela é a pessoa mais sábia que conheço e saberá ajudá-lo!”

No final daquele dia, ao invés de uma clareira, ele viu uma luzinha ao longe. Aproximando-se, descobriu um casebre no meio da floresta, com um galinheiro, um chiqueiro, uma horta e uma chaminé fumegante. À porta do casebre, uma mulher muito velha, com uma pele enrugada como as cascas das árvores, batia travesseiros.

“Boa noite, boa noite!”, disse-lhe Álvaro, e a senhorinha olhou-o surpresa.

“Ora, ora, será um humano quem vem lá? Boa noite, meu rapaz, o que o trouxe tão longe, onde nenhum outro humano pisou em mais de duzentos anos?”

”Procuro o castelo de Soria Moria, vovó! Você não saberia apontar-me na direção correta para encontrá-lo?”

A velha pensou bastante, mas disse não saber: “Sinto não poder ajudá-lo, rapaz, mas não se preocupe: vem aí a Lua, e ela saberá dizer, pois brilha sobre tudo!”

Então a velhinha serviu-lhe sopa e chá e, quando a lua estava alto no céu, saiu e chamou-a:

“Lua, ei, Lua! Você sabe me apontar o caminho para o castelo de Soria Moria?”

“Ah, vovó, sinto muito, mas não sei dizer. Quando brilhei por lá havia nuvens e não vi bem onde fica o castelo. Mas espere só um pouco: vem aí o Vento do Oeste, que sopra por todos os cantos, ele há de saber!”, respondeu-lhe a Lua.

A velhinha agradeceu a Lua. Então ela disse para Álvaro:

“Bom rapaz, para acompanhar o Vento do Oeste você terá de ser muito rápido. Temo que seu cavalo não seja tão veloz! Você não quer trocá-lo? Tenho aqui uma bota de sete léguas, que o levará sete léguas a cada passo. Assim você conseguirá chegar rapidamente ao castelo de Soria Moria!”

Álvaro concordou e a velha ficou feliz da vida. Ela ajeitou um canto para Álvaro descansar e disse-lhe que dormisse pois ela ficaria de olho na chegada do Vento do Oeste.

Quando este começou a soprar, ela chamou-o:

“Vento do Oeste, Ó, Vento do Oeste! Você sabe me dizer o caminho para o castelo de Soria Moria? Tem um bom moço aqui que quer saber.”

“Sim, sei sim, vovó! Na verdade, estou indo para lá secar as roupas para o casamento real que acontece amanhã! Se o rapaz tiver um passo rápido, ele pode vir comigo”, disse o Vento.

Álvaro correu para fora. “Você precisa se apressar para me acompanhar, jovem!”, disse-lhe o Vento do Oeste e partiu por cima das colinas. E Álvaro correu com as botas de sete léguas, cobrindo essa distância a cada passo, apressando-se para acompanhar o Vento veloz. Caminharam um bom tanto, saindo da floresta, quando o Vento disse a ele:

“Álvaro, meu amigo, agora não posso mais acompanhá-lo, pois tenho que derrubar um bosque de pinheiros antes de secar as roupas em Soria Moria. Mas siga em frente por aqui e, passando as colinas, encontrará algumas moças lavando roupas. Ali fica o castelo!”

Álvaro deu mais alguns passos com as botas e chegou a um riacho com várias moças lavando roupas. Elas olharam-no e perguntaram se ele sabia do Vento do Oeste. “Sim”, disse Álvaro, “ele foi derrubar um bosque e chegará aqui em breve! Vocês podem me indicar o castelo de Soria Moria?”

As moças mostraram-lhe o caminho e ele foi até o castelo. Lá chegando, encontrou o castelo cheio de gente organizando coisas para o casamento. Mas Álvaro estava um maltrapilho por ter seguido o Vento do Oeste por terrenos variados, com as roupas em frangalhos, irreconhecível.

Começaram as festividades do casamento e veio a hora de todos — rei e rainha, nobres e comuns, todos — fazerem um brinde aos noivos. O copeiro passou servindo cada convidado e, quando chegou a vez de Álvaro, ele brindou à saúde da princesa, tirou o anel e colocou-o no copo, e pediu ao copeiro que o levasse à princesa.

Assim fez o rapaz. De repente, a noiva levantou-se, dizendo: “Vossas Majestades queridos pais, vossas altezas minhas amadas irmãs, ilustres convidados! Preciso fazer-vos uma pergunta: quem tem mais direito a reivindicar a mão de uma de nós, aquele que nos resgatou do cativeiro ou quem se senta agora no lugar de noivo?”

Todos concordaram que o direito era do herói, e Álvaro chamou-a de dentro da multidão. “Sim, sim, é esse mesmo o meu noivo!” gritou a moça, e correu para seus braços. E o casamento foi realizado ali mesmo e Álvaro usou o anel para buscar seus pais e viveram no castelo, em cujo trono um dia se sentaram, tornando-se a rainha e o rei mais justos e amados que Soria Moria já vira.

Fontes

Peter Christen Asbjørnsen and Jørgen Moe The Complete and Original Norwegian Folktales of Asbjørnsen and Moe. trad. por Tiina Nunnally. Minneapolis and London: Univ. of Minnesota Press, 2019.

Crédito da imagem de capa

Kittelsen, Theodor. 1900. Far, Far Away Soria Moria Palace Shimmered like Gold. Oslo. National Museum of Art, Architecture and Design. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Theodor_Kittelsen,_Soria_Moria.jpg.