A madrinha Morte

Era uma vez um homem que teve um filho e que queria vê-lo batizado pela pessoa mais justa do mundo. Então, ele saiu caminhando em busca de um padrinho ou madrinha justos.

Ele caminhou, caminhou e caminhou até encontrar uma pessoa caminhando em sua direção. 

“Olá, bom homem! Aonde vais com tanta pressa?”, perguntou-lhe a pessoa.

“Procuro uma pessoa justa para batizar o meu filho.”

“Posso ser eu?”, perguntou-lhe a pessoa, e o homem respondeu: “Depende: quem é você?”

“Eu sou Deus”, respondeu-lhe a figura.

“Bem, você não, porque você faz com que algumas pessoas vivam bem e outras sofram muito. Você não é a pessoa justa que procuro. Obrigado!”, o homem respondeu para Deus, e seguiu caminhando.

O homem caminhou mais um pouco, até encontrar outra pessoa.

“Olá, caro amigo! Aonde vais com tanta pressa?”, perguntou-lhe a pessoa.

“Procuro uma pessoa justa para batizar o meu filho.”

“Posso ser eu?”, perguntou-lhe a pessoa, e o homem respondeu: “Depende: quem é você?”

“Eu sou o Diabo”, respondeu-lhe a figura.

“Ah, você só fala em justiça para enganar as pessoas. Não; você não vai servir. Obrigado!”, o homem respondeu ao diabo, seguindo seu caminho.

Então, depois de caminhar mais um pouco, encontrou uma terceira pessoa, que também perguntou-lhe aonde ia, e a quem ele contou que procurava uma pessoa justa para batizar-lhe o filho, ao que a figura respondeu: “Posso ser eu?”, e o homem: “Depende: quem é você?”, e então disse-lhe a pessoa:

“Eu sou a Morte”

“Ah, você é a pessoa mais justa que existe, pois leva consigo tanto os pobres quanto os ricos, e não dá a ninguém mais tempo do que lhe cabe. Aceito feliz a sua oferta!” 

No dia seguinte, a Morte batizou o filho do homem, dizendo-lhe o seguinte:

“Serei a madrinha de seu filho, com uma única condição. Quando ele for um rapaz, ele deverá tornar-se um médico.”

O tempo passou e o menino tornou-se um rapaz forte e saudável, e seu pai o mandou para a Universidade, como havia prometido à Morte que faria, para ele se tornar um médico, e o rapaz estudou com afinco até aprender todo o ofício. E então, quando ele se graduou, a Morte apareceu e instruiu-o assim:

“Pegue este frasco e use-o sempre que for tratar um doente acamado. Mas só se me vir sentada ao pé da cama! Se você me vir sentada na cabeceira, não ofereça o remédio ao enfermo, pois será a sua hora de partir.”

E o rapaz jurou e começou o seu ofício, curando muitas pessoas. Sempre que encontrava um enfermo que suas habilidades não podiam curar, observava se a sua madrinha estava sentada ao pé da cama e, em caso positivo, ministrava-lhe o remédio mágico. Assim ganhou fama e, num certo dia, foi convocado pelo próprio rei a ir até o castelo.

Lá, foi levado aos aposentos da mais bela princesa que já vira, que repousava adormecida, doente. Nenhum médico conseguira curá-la, e o rei não sabia mais a quem recorrer.

Ele tratou-a como pôde e após perceber que suas habilidades não bastariam, pegou o frasco da poção milagrosa. Observou a cama e viu que a madrinha sentava-se ao pé da enferma. Então, administrou o remédio à princesa, que abriu os olhos, parecendo se recuperar.

No dia seguinte, voltou ao castelo para visitar a princesa e encontrou-a novamente enferma. Então, novamente, observou a sua cama e viu que a Morte aparecia sentada aos pés da moça, e mais uma vez administrou-lhe o medicamento.

No dia seguinte, mais uma vez, encontrou a moça prostrada. Desta vez, porém, viu a sua madrinha sentada na cabeceira da cama. O rapaz se afeiçoara à princesa, ao rei e à rainha, e não quis aceitar aquele destino para a moça. Então teve uma ideia para tentar fugir ao rigor da sua madrinha: virou a cama, alegando que tinha algo a ver com a circulação do vento, de modo que a morte, agora, estava ao pé da cama — e, então, deu o remédio à princesa como antes.

Desta vez, a princesa se recuperou prontamente, e fez-se uma grande celebração por todo o reino. O rapaz recebeu muitas recompensas: panos, moedas, jóias, terras e títulos, e foi tratado como um herói por todos.

Quando ele saiu da cidade, porém, encontrou a madrinha com um olhar de reprovação.

“Você se acha muito esperto”, disse-lhe a Morte, “mas não vai adiantar nada. O equilíbrio da vida é inabalável; se eu tive que deixar a moça por sua obra, devo agora levá-lo, por mais que isso doa em meu coração.”

O rapaz concordou, mas pediu-lhe que, na condição de madrinha, lhe desse uma bênção e lhe permitisse fazer uma oração antes de partir. E assim fez a Morte. Então, ele respondeu:

“Obrigado, madrinha, morrerei assim que a fizer. Mas você ainda terá que esperar um longo tempo antes de me ouvir dizê-la!”, e seguiu em frente.

E o tempo passou, passou e passou, e um belo dia, o rapaz foi chamado a socorrer um enfermo que estava além de qualquer ajuda. O moribundo segurou as suas mãos, olhou-o nos olhos e fez o seu último pedido:

“Peço, doutor, que por favor, me acompanhe em minha última oração.”

E assim fez o moço, e orou com o velho doente. Assim que terminou a prece, sentiu os dedos esqueléticos e gelados de sua madrinha gentilmente repousando em seu ombro, e a ouviu sua voz fria, mas doce, dizendo: “Então, você as disse, afilhado, e é hora de vir comigo.”

Fonte

A fonte desta versão, que só contei com minhas palavras sem alterar-lhe a substância, é “Loch Measca — the Schools’ Collection.” Dúchas.ie, www.duchas.ie/en/cbes/4427871/4352616. Trata-se da transcrição de contos registrados por crianças na Irlanda. Encontrei-o numa coletânea de contos do tipo Aarne-Thompson-Uther 332: O Padrinho Morte, das coletadas por D. L. Ashliman, em https://sites.pitt.edu/~dash/type0332.html#casey.

Fonte da imagem de capa

Hugo Simberg, A Morte ouve, 1897, Galeria Nacional Finlandesa. Disponível em: https://www.kansallisgalleria.fi/fi/object/419419.