A velha e o diabo

Do outro lado do rio, quando a minha avó era criança, havia uma senhora velhinha muito sábia e valente, tão sábia e valente, e sempre com respostas na ponta da língua e incapaz de levar desaforo para casa, que muita gente a temia, dizendo que era bruxa, e que tinha parte com o capeta. Mal sabia o povo que a mulher era mais esperta que ele!

A minha avó me contou que teve um ano em que a plantação de feijão dessa velhinha cresceu especialmente bem — mas, chegada a época da colheita, ela não conseguiu contratar ninguém para ajudá-la, pois havia uma guerra, ou coisa do tipo, e uma grande escassez de mão de obra. A velhinha, sozinha, enfrentou o sol e saiu colhendo o feijão, mas era feijão demais para ela. Ela com certeza perderia quase toda a safra!

Então apareceu um sujeito comprido, com um sorriso esquisito, desses que os olhos não acompanham os lábios, com mais dentes do que deveria haver... Perguntou-lhe qual era o problema e a mulher contou-lhe que precisava de ajuda com a colheita. E o homem disse a ela:

“Eu posso fazer com que todos os feijões sejam recolhidos ainda hoje, mas será que a senhora estaria disposta a pagar o preço?”

“Ora, sou uma velha pobre e não posso pagar nenhuma fortuna. Mas certamente estou disposta a pagar o preço justo pelo trabalho, se é o que o senhor está me oferecendo.”

“O preço, senhora, não é nada que lhe fará falta; veja, eu só quero a sua alma, que a senhora não usará mais por muito tempo, imagino...” — pois o homem era, como ele então se revelou, o próprio diabo!

A mulher encarou o capetão com um olhar pensativo, refletiu um pouco e enfim respondeu-lhe:

“Esse preço é alto, senhor, muito mais do que o serviço exige. Mas, se o senhor realizar a contento três tarefas que eu lhe propuser, temos um pacto. O senhor aceita essa proposta?”

O cão pensou consigo “Não há tarefa nesta fazenda que não esteja ao meu alcance; este é um negócio fácil”, estendeu a mão e aceitou o acordo com a velha.

“A primeira é colher toda a minha safra de feijão e colocá-la, ensacada, no paiol.”

O demônio pôs-se a trabalhar e em poucas horas estava tudo pronto. 

“Qual é a próxima tarefa, vovó?”

“Agora, quero que are e semeie a terra onde o feijão estava plantado.”

E assim fez o príncipe das trevas, trabalhando rápido como só o diabo mesmo, naquele sol quente dos infernos.

“Pronto, vovó. Fiz a sua colheita e semeadura, agora, dê-me a última tarefa para eu fazer a minha! Bwahahahahaha!”

A velhota esperou o diabo terminar de dar a sua gargalhada maligna, olhou bem nos olhos dele e disse: “Aqui, senhor, pegue esta fita, pois vai precisar dela”, e deu um pedaço de fita vermelha para Satanás.

Então ela soltou um peido barulhento e disse ao tinhoso: “Agora, pegue este peido e amarre a fita nele!”

E saiu rindo, deixando o diabo atônito.

Fonte

Adaptei a história “Ein baur lasst (mit guust zü melden) ein furtz und spricht züm teufel, er soll ein knopff daran machen”, de Martin Montanus, Schwanbücher 1557-1566, ed. Johannes Bolte, Tübingen, 1899 (disponível em https://archive.org/details/bub_gb_V7QLAAAAIAAJ/page/n338/mode/1up), coletada por D. L. Ashliman entre várias histórias que envolvem o diabo sendo enganado com um peido.

Imagem da capa

“A witch holding a plant in one hand and a fan in the other”, Woodcut, ca. 1700-1720.  Wikimedia Commons, disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:A_witch_holding_a_plant_in_one_hand_and_a_fan_Wellcome_V0025806ET.jpg